Alzheimer
A Doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa debilitante que se caracteriza pela deterioração cognitiva, levando a perda de memória e desorientação. É a forma mais comum de demência, representando mais de 60% dos casos e afetando mais de 33 milhões de pessoas em todo o mundo1.
A fisiopatologia está relacionada com distúrbios no processamento de algumas proteínas do sistema nervoso central (SNC), como a β-amilóide (Aβ) e a Tau, causando neuroinflamação e estresse oxidativo2.
Existem poucas opções terapêuticas disponíveis, sendo que nenhuma é capaz de prevenir ou reverter a progressão da doença, apenas aliviam os sintomas. Inibidores da acetilcolinesterase (ex.: rivastigmina) e antagonistas de NMDA (ex.: memantina) são estratégias utilizadas, entretanto possuem diversos efeitos adversos como vômitos, diarreia, alucinações e tonturas, além de possuírem eficácia limitada no controle sintomático3.
Diante disso, é improvável que qualquer fármaco com apenas um mecanismo de ação seja capaz de atenuar a complexa cascata de reações envolvidas na DA. Portanto, uma abordagem medicamentosa multifuncional fornecerá benefícios mais amplos do que os medicamentos atuais4.
Recentemente, o sistema endocanabinoide ganhou atenção dos pesquisadores, pois está associado à regulação de uma variedade de processos relacionados à DA, incluindo o estresse oxidativo5, a ativação de células gliais6 e a depuração de macromoléculas7.
O canabidiol (CBD) é o principal candidato para esta nova estratégia terapêutica. Pesquisas in vitro encontraram que o CBD:
- Atua como neuroprotetor8
- Previne a neurodegeneração hipocampal e cortical9
- Diminui a inflamação no SNC10
- Protege contra a neurotoxicidade mediada pela proteína Aβ11
- Reduz a hiperfosforilação da proteína Tau e a produção de Aβ12
- Regula a migração de células microgliais13
- Aumenta a expressão de neurotrofina, responsável pela neurogênese14
Esses achados foram confirmados em diversos estudos pré-clínicos15-21, em que o CBD foi capaz de prevenir o desenvolvimento de déficits cognitivos em animais com DA, sugerindo uma nova abordagem para o Alzheimer.
Estudos em humanos ainda são escassos, entretanto o interesse da comunidade científica neste tema vem crescendo. Atualmente, a Cannabis medicinal já é utilizada por pacientes com DA no manejo dos sintomas, como melhora do sono, redução da agressividade e da ansiedade, contribuindo para a melhora da qualidade de vida22.
Parkinson
A doença de Parkinson (DP) é caracterizada como neurodegenerativa e progressiva, em que ocorre perda dos neurônios dopaminérgicos, resultando na deficiência de dopamina no sistema nervoso central. Estima-se que acomete 1% da população mundial acima de 60 anos e, quando os sintomas motores surgem, cerca de 60% dos neurônios já estão comprometidos23.
As principais manifestações motoras da DP são a hipocinesia (incapacidade de realizar movimentos voluntários), bradicinesia (lentidão anormal de movimentos voluntários), acinesia (perda de movimentos inconscientes), rigidez muscular e tremor em repouso. Além desses, os sintomas não motores também estão presentes, como ansiedade, insônia, depressão e psicoses.
O tratamento realizado visa apenas a redução dos sintomas e a repressão da evolução, já que não existem medicamentos no mercado capazes de controlar ou reverter o dano neuronal já formado. Como na doença há uma deficiência de dopamina, logo, os diversos tratamentos visam elevar a estimulação dopaminérgica, sendo a levodopa o principal fármaco. Entretanto, apresentam grandes efeitos adversos, como movimentos involuntários repetitivos, os quais ocorrem em cerca de metade dos pacientes24. Dessa forma, há uma constante busca por novas substâncias que possam ser utilizadas sem causar implicações tão significativas na qualidade de vida dos pacientes.
Estudos publicados ao longo das últimas décadas relatam benefícios clínicos obtidos através do uso de produtos medicinais à base de cannabis. Entre os principais efeitos relatados pelos pacientes estão a redução significativa dos sintomas motores, da dor, a melhora no sono e dos sintomas ansiosos.
Descobriu-se que o sistema endocanabinoide está envolvido na fisiopatologia da DP, tornando os fitocanabinoides, presentes na planta Cannabis sativa, objetos de interesse científico. Diante deste achado, pesquisadores analisaram o líquido cefalorraquidiano (LCR) de pacientes de DP não tratados e os resultados mostraram níveis altos de anandamida, um canabinoide produzido pelo nosso organismo, reforçando a interação entre o sistema dopaminérgico e endocanabinoide25.
Os canabinoides tem a capacidade de modular as alterações neuroquímicas causadas pela redução dos níveis de dopamina. Também possuem propriedades antioxidantes, antiexcitotóxicas e anti-inflamatórias, em que tratam vários sintomas da doença utilizando diferentes mecanismos de ação, de acordo com estudos pré-clínicos26.
Ao se tratar de evidências clínicas, sete pesquisas envolvendo pacientes que utilizavam cannabis para tratar seus sintomas de DP mostraram melhoras nos sintomas gerais, bradicinesia, rigidez muscular, tremores e discinesia, além de melhoras no humor, ansiedade e sono27-33. Em um destes estudos, houve redução do uso de outros medicamentos por cerca de metade dos pacientes32. Além disso, o interesse em utilizar cannabis medicinal foi relatado por 65% dos não usuários em outra pesquisa33.
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